quarta-feira, 12 de março de 2008

Um quadro em Santa Tereza

Durante as aulas de desenho artístico, no curso de Arquitetura da Fau, visitamos vários locais aprazíveis na cidade do Rio de Janeiro para exercitarmos o desenho livre sob a orientação do professor Leitão. Entre esses locais o Passeio Público, Largo do Boticário, Urca, Aterro do Flamengo, por exemplo. Mas foi em Santa Tereza que eu vi o quadro com o rosto de um velho pintado a óleo.
Depois da aula, ao ar livre, em que desenhamos ladeiras e fachadas de casarões antigos, fui com alguns colegas caminhar pelas ruas estreitas com trilhos de bonde. Havia um casarão aberto à visitação, entramos. Logo uma escada de madeira, no salão com pé direito alto, me chamou atenção pela beleza e altivez da forma. O interior era sombrio, nas janelas – como vitrais – alguns vidros quebrados faziam com que a luz entrasse tímida e curiosa – como eu. Parada, entre as sombras, eu percorri com os olhos cada canto daquele salão que um dia foi habitado por alguma família e que agora estava vazio, mas cheio de histórias guardadas na mudez das paredes, no gemido da madeira lamentando o passado. Segui o caminho do meu pensamento e dei com os olhos no quadro, estava no alto da escada e era como se observasse a tudo e a todos. Parei ali. O rosto do velho pintado a óleo com perfeição de traços, expressão, luz e sombra. Não vi mais nada porque aquela imagem tapou meus olhos. Voltei para casa e a visão do quadro não me saía da cabeça. Ficava pensando quem seria o autor daquele retrato e de quem seria aquele rosto aprisionado numa expressão eternizada na perfeição dos traços. Algum tempo depois vi, na capa de uma revista, uma foto com o rosto de um velho, não era o mesmo, mas prá mim era ele. Peguei lápis e papel e desenhei, no meu jeito, o que vi e o que via. Guardei o desenho e apaguei o quadro da minha mente.
Por esses dias resolvi arrumar minhas gavetas e encontrei o desenho. A lembrança do quadro surgiu de repente. Percebi, então, que alguma coisa restara entre os traços que fiz. Não me lembro mais do semblante que havia no retrato, mas me lembro bem da força que havia nele. Desde esse dia essa lembrança insiste.
Algumas coisas não saem da minha cabeça. Por mais que eu tente apagá-las elas ficam ali, meio que adormecidas até que surgem de repente, numa lufada do vento ou mesmo no morno do nada, e se apoderam novamente de todo o espaço. Preciso, então, me libertar delas, uma por uma, e uma das maneiras é escrevendo, e como se fosse possível libertá-las... escrevo.

imagem: desenho de Cristina Nunes

Um comentário:

( Syl ) Sylmar Signoretti disse...

Querida, sua sensibilidade é fora de série, tem a sorte de ainda desenhar, ficou lindo seu quadro, momento verdadeiramente eternizado. Bjs