sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Espuma

Uma onda se quebra espuma na pedra
braço de um corpo obscuro
numa força serena que tudo leva...
e leva meu corpo leve e me leva
resvalo na certeza que resta
tudo passa
tudo caminha sobre uma linha
horizonte fugaz...
fica prá trás uma nuvem de fumaça
desenhando rolos de música e vento
meu pensamento no escuro
sente a vertigem do esquecimento
apaga no tempo meu risco de giz
desenho feito com esmero
destino aprendiz...
nada mais além da espuma na pedra
dos meus olhos vendados
a flor do sonho na boca
enquanto a noite aderna
com seus navios e velas...

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domingo, 18 de janeiro de 2009

Os sinos

Não há o que esperar, nem ao menos o despertar dos sinos.
Apesar da festa das asas em torno da igreja. Parece uma celebração, um ritual de vida, alguma coisa que só a natureza explica. Eles vão e vem num trajeto que vai das árvores ao adro, das árvores às torres, das árvores aos vitrais... e são tantos que podia jurar que a levariam pelos bicos céu afora, fosse ela leve, feita de açúcar ou nuvem, mas é feita de pedra, feita de brita, bem fincada na terra... podia jurar que a vi levitar. Porém nada acontece além da cena dos pássaros bicando, de quando em quando, a face da igreja.
O que eles não sabem é da sua face, nem das suas fases de olhar prá igreja com os pássaros em volta se alimentando dela e construindo seus ninhos.
Se pudesse faria um ninho no alto da torre... se soubesse.
Mas não pode porque suas mãos se ocupam em tecer os fios dos seus vestidos, apenas seus olhos sabem bordar os ninhos, seus olhos de beijar flores, de voar alto por sobre a cidade deserta que mais parece um cenário vazio onde personagens descansam à espera do terceiro sino, terceiro chamado, o abrir das cortinas.
Quase amanhece em torno da igreja. Podia jurar que ouvi os sinos.
Podia jurar que do alto da torre alguém acenava sorrindo...

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Santuário

"...não se afobe não, que nada é prá já, o amor não tem pressa, ele pode esperar em silêncio..."
Chico Buarque

***

Fugir talvez fosse uma solução.
Um caminho a se consumir... a lhe consumir... sumir no ar sem nenhuma explicação...
A porta aberta seria a chave prá que entrassem na casa procurando por ela... e ela por onde andaria?
Seus armários vasculhados pelos escafandristas explorando seu quarto,
suas coisas,
sua alma,
desvãos...
A cidade então submersa era o mundo que havia escapado de suas mãos.
O amor sem pressa mergulhado no silêncio,
num fundo de armário,
na posta-restante,
poemas,
mentiras,
retratos...
O amor sem pressa guardando o seu santuário.
Um dia quem sabe, de volta a essa estranha civilização ela então amaria esse amor amável, sem nenhuma afobação. Mas um desejo maior que a razão abduzira seu corpo e a fizera cair em tentação, ela caía do mundo e o mundo caía das suas mãos. Uma força contínua a levava de encontro à saída, ao universo de uma ilusão que corava sua face enquanto o sangue lhe fugia, seu vestido branco cortado em tiras, atirados no espaço refletindo as cores do seu arco-íris, a sorte ao léu, os braços abertos, o equilíbrio num puro sacrifício...
de encontro ao sol
de encontro ao sol
de encontro ao sol...

imagem: fotografia de Greg Gorman
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