quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Chuvas...

Te planto
nas minhas retinas
flor de acalanto
raiz cristalina.
Te planto
no solo fértil
na chuva indelével
e te colho pranto.
...
Quando chovia
ficava rouca
com olhar de poça
água de vida pouca
encharcada de melancolia.
...
A minha pele
tem sede da tua
quando na minha
se farta.
A tua pele e a minha
se tocam espelhos d’água.
A tua pele na minha
é chuva
na luz
serenata.
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Festa

De repente o céu abriu-se glorioso com todas as peneiras destapando o sol, as árvores acenavam verdes esperanças de todas as cores, a brisa acarinhava seu rosto, doce, licorosa feito carinho de amor, de repente era flor brotando em seu peito, formosa, bonita, delicada, e tudo lhe sorria feliz numa alegria de criança abraçando a vida... a vida, enfim, a lhe cobrir de beijos, a lhe jogar confetes, serpentinas, tudo se movia a lhe dar boas vindas.
Aprumou o corpo um pouco curvado pelo cansaço, ajeitou os cabelos num gesto esquecido, molhou os lábios com a saliva marejada pelo choro engolido... engole o choro... engole o choro... ouvira e engolira mais do que devia, engolira calada o grito, no susto a palavra maldita, arranhara a garganta de vontades e arfara no ar abafado que lhe batia mares de ressacas, movimento... e o coração apertado, uma ilha de sentimentos imprensados entre a fome e a sede, num peito congestionado pelo vício do desejo... desejava e era tão bom desejar, era como chorar olhando pro sol que latejava manhãs de verão no corpo sem marcas, sem manchas, liso de adornos, pronto... era como esperar o cabelo crescer e correr entre os dedos, os fios nas costas, cócegas no vento, desejar era o vento que alfinetava na pele os grãos da areia, era como correr e correr até convergir ao ponto que flutuava entre o interno da sua pálpebra e o externo da sua retina onde tudo refletia intenso até que sumisse... e sumir era como esquecer.
Aprumou o corpo num gesto esquecido, buscou na memória um sorriso e moveu o ar com a brisa do seu cata-vento...

imagem: desenho de Cristina Nunes
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sábado, 18 de outubro de 2008

Nuvem

Branca na cor do avesso
onde me encontro nuvem
me fragmento
nas formas que são
que quero
que tento
sou pura ilusão
nos braços do vento.

Imagem: desenho de Cristina Nunes
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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O nome dela


De repente ele chamou por ela num canto de arribação atravessando a sua timidez, e uma forma de dor, estranha e inexplicável, provocou na sua boca um gosto de sangue, um gosto de vida, coração. Alguma coisa a feriu por dentro e no rosto, banhado de susto, a cor do seu avesso revelou a nascente de um sentimento que ela não conhecia.
Quis alcançar o corpo agora distante a se confundir, tocar os braços que roubaram seu nome e deixaram as asas presas no seu vestido. Passou a procurar seu nome nos braços dos homens que passavam por ela.
Passaram braços com outros nomes: Maria, Joana, Ana e Vera.
Passaram pelos outonos, invernos, verões, primaveras.
Passaram tantos, passaram poucos.
Passaram pássaros brandos e loucos.
Não viu o seu nome em nenhuma pena, nenhum suor exalou o seu nome... leu poemas em versos velozes, leu poesia na flor da janela, leu seu rosto espelhado... mas nenhum nome bordado na tela. E já quase esquecia que a noite caía na sombra das velas, no sopro da brisa, com a boca do dia guardando uma luz no horizonte.
Seguiu seu caminho sem guia nas tardes com ventos de areia, levantando poeira, folhas secas, ciscos de sonhos e o par de asas presas. Às vezes olhava prá trás e a lança afiada do sol franzia seus olhos e alargava seu rosto contraído, e retomava a caminhada numa corrida, até faltar o fôlego, as pernas, o ar, até faltar todo o sentido...

imagem: desenho de Cristina Nunes
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