quarta-feira, 19 de março de 2008

No casarão (...um rangido do tempo)

A escada de madeira exalava um perfume de amêndoa doce e os degraus rangiam. Subíamos e descíamos acelerados.
Estou subindo agora e entrando no corredor dos quartos, uma galeria com paredes brancas e portas escuras. Aqui não podemos correr, não podemos falar alto, guardamos o riso, o choro e o grito. Entro no quarto que tem cheiro de água na moringa. É fresco e úmido como a própria moringa, é simples como o cobertor cinza e áspero que se torna macio quando estendido sobre o lençol branco de algodão, silencioso como o criado mudo velando a cama junto à parede.
Abro a janela e tudo é colorido. Os canteiros de flores e as costelas de adão estão lá, como sempre estiveram, assim como o chão de terra batida e o horizonte com o trem contornando a curva da montanha. Escuto os risos, os choros e os gritos, e todos correm para a estação de chegada e partida.
Deixo o quarto e de novo no corredor volto os olhos pro final da galeria, de lá vem o eco dos azulejos, dos últimos pingos do chuveiro.
Desço as escadas, desacelerada, e range o tempo.
No vestíbulo me encontro com ele, estático e eterno, me deparo com ele guardando tudo por dentro, o meu primeiro abrigo na sua moldura oval: o espelho de corpo inteiro.
Por ele vejo as mães passando com os cabelos presos, tornozelos à mostra, e os filhos chamando por elas. Os filhos sempre chamam por elas quando as vêem passar.
Vejo os balões de festa que estouram nas mãos dos meninos e das meninas que deslizam na água da fruta madura com o gosto do tamarindo salivando a vida. Escuto a ciranda das vozes entardecidas.
Meus olhos salivam a imagem que vejo, meu corpo inteiro não cabe mais nele, no meu primeiro espelho por onde um dia atravessei e perdi o caminho de volta. Mas num chamado do tempo me encontro em meio aos que correm atendendo ao apito do trem com sua fumaça desenhando rolos de música e vento.
.

Nenhum comentário: